Sonho "Franco-Brasileiro" ...
Os anos passam ligeiros, mas os sonhos permanecem até serem concretizados ou destruídos pelo tempo e, assim, seguem as realizações na vida de um sonhador.
A via Franco-Brasileira era um desses sonhos, que vivenciei junto com o Daflon. Desde 2008, juntamos as forças e saímos em busca de escalá-la. Ele não conhecia a face sudoeste do Sino e eu, há exatamente 10 anos, não desfrutava daquele local que vivi intensamente durante 22 dias na conquista do “Eclipse Oculto” em agosto de 1999.
Um inverno chuvoso não era o esperado, mas foi o que aconteceu na temporada 2009. Marcamos uma data para iniciar a expedição, ou melhor, para esperar a chuva passar. Tínhamos todos os equipamentos e provisões prontos, permissão do parque Nacional da Serra dos Órgãos em mãos e ajuda de 2 amigos (Léo e Xicano) para carregar os aproximadamente 70 kg de carga até o início dos rapéis na grota. Tudo estava perfeito, mas tivemos que adiar nossa partida e esperar por 4 dias para o tempo melhorar. Iniciamos nossa caminhada no dia 1º de agosto, sem a ajuda dos amigos que viajaram pra Salinas, mas com a companhia do Bruno, que estava às 6:00 da manhã pronto e com muita disposição pra caminhar o dia inteiro, depois de uma noitada feroz.
Depois de um longo dia de caminhada pesada, rapéis e equilíbrio no limo, chegamos a um platô no meio da grota, bom pra bivacar, relaxar as costas travadas de carregar tanto peso e curtir o momento naquele lugar especial. No outro dia, terminamos a nossa descida e chegamos à base da via “Terra de Gigantes”, que nos levaria ao “platô do escorpião”, local protegido e que serviria como base durante a progressão do negativo acima e também base da via Franco. Analisamos a linha e rapidamente aquela parede nos encheu de energia e vontade de iniciar a escalada. Coletamos, então, 30 litros de água, organizamos o haulbag e partimos rumo ao platô em um trepa mato exótico, fendas e diedros, com nosso 3º integrante que prendia em tudo, mas a natureza exuberante nos oferecia, a cada cordada, uma dose de energia com aquele impressionante visual do Vale do Rio Soberbo e suas paredes imponentes. Assim, chegamos à noite no platô e, pra completar, curtimos uma lua cheia que iluminava todo o vale.
No 2º dia de escalada, acordamos quebrados da ralação intensa, mas o grande negativo acima de nossas cabeças nos chamava. Depois de valorizar o local e o nascer da manhã, lá estava eu pendurado nos clifs em agarra natural, rumo a um totem duvidoso, com um fator de queda no platô que até pouco tempo me trazia conforto e segurança, mas agora era um perigo real que incomodava o psicológico para sair de um clif para um píton que cedeu. Com cuidado, tranquilizei o cérebro, sai da roubada e cheguei a um diedro fino, parando na base do negativo, onde Daflon guiou com muita vontade e disposição em lances de clif e lacas expansivas até parar na base de uma bela fenda que cortava o negativo pra cima. Logo o dia passou e voltamos para o bivaque pra descansar o corpo sugado pelo vazio. Chuviscou à noite, mas logo parou e amanheceu nebuloso no outro dia. Progredimos nas cordas fixas e comecei o dia em uma fenda perfeita (ou quase) devido à qualidade da rocha que nos levou à base de um diedro, o qual Daflon guiou parte em lance de furo de clif, por causa da má qualidade da rocha, até chegar debaixo de uma laca gigante. Em seguida, passou em horizontal pra direita e parou em um pequeno platô que trouxe grande conforto. Como restava luz do dia, comecei a outra cordada, a continuação da horizontal visual. Antes de escurecer, voltamos para o bivaque e curtimos a última noite no conforto, pois iríamos sair do platô com tudo no outro dia. Depois de acordar, guiamos tudo e terminei a cordada. A partir da outra cordada, começou a faltar chapeletas, mas, como nós sabíamos disto, levamos algumas extras. Isso fez com que a velocidade e a visualização diminuíssem e, depois de mais um dia bem vivido, montamos o Portledge e sentimos a imponência daquele local à noite inteira com um vento constante nas orelhas.
No 5º dia, arrumamos o bivaque e partimos com tudo em direção ao cume. Daflon guiou a penúltima e parou em um platô na base de um diedro que nos levou rapidamente ao fim da via e, com um belo por do sol de cenário, terminamos energizados um sonho de tantos anos. Agradeço o apoio da Grimp equipamentos e Equinox, por acreditarem em nossas habilidades, aos amigos e familiares que contribuíram na realização deste e de outros objetivos e à Deus, por colocar em meu caminho amigos que vivem pra escalar e escalam pra viver .
Texto: Júlio Companela
Escaladores: Júlio Campanela e Flávio Daflon
Via Franco-Brasileira - A3 VI 450m - Pedra do Sino - PNSO
Via Franco-Brasileira - A3 VI 450m - Pedra do Sino - PNSO
1 Comentário:
Boa Presidente, sempre nas alturas.
É isso aí. Tudo nosso.
Preto.
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